quarta-feira, 8 de abril de 2020

A MARiA, O TEmPO e O ADAmASTOr !





Era uma vez a Maria,

a Maria ia sempre no autocarro das 07h30m. Sentou-se, como sempre, no lado direito, perto da porta de saída. Maria, mulher “simples”, de raízes humildes, cumpridora de horários e regras, como lhe tinham ensinado e foi assim que sempre soube viver.

Mas,
algo manchou a constância das coisas. Naquele dia não folheou a revista como sempre fazia, em vez disso resolveu observar as pessoas ao seu redor e desejou uma daquelas vidas, só para experimentar. Uma vida de férias da sua realidade. Sim, isso, uma vida de férias. Um refúgio. Um corpo e uma alma em tudo diferentes dos seus.

Às vezes era difícil habitar-se. Em si erguiam-se recantos de encanto, mas também ruas sinuosas e perturbadoras, onde estilhaços de vidro feriam como facas.

Apeteceu-lhe muitas vezes desmontar-se e montar-se novamente, como um cubo mágico. Ou, atirar-se ao chão para que se partisse e se desfizesse. O importante  era que não permanecesse igual.

Deu-lhe vontade de tanto e, no entanto, permaneceu, ali, sentada naquele lugar no autocarro. O de sempre... O que a levava aos mesmos lugares. A uma rotina, obsessivo-compulsiva, que apenas sossega com a repetição exaustiva que sempre levava a melhor.

Naquele dia não. Maria quebrou o ciclo e saiu antes do destino...

Esta Maria não é real. É uma história inventada. Muito embora nada disto tenha acontecido, existem várias Marias e vários Maneis, e como tal o mais verdadeiro será assumir que esta história é baseada em factos reais.

Marias que acreditam, porque as fizeram acreditar, que alguém as vinha salvar... a galope.

Que a sorte chega, se tiver de chegar. E, no entretanto, as Marias andam ao sabor de ventos aleatórios como dançarinas à deriva...

Esta Maria era coerente e tinha muito medo dos períodos de crise. Porém, percebeu que quando se foge do Adamastor que empurra o nosso barco para o mesmo lugar de sempre, corremos o risco de nos mantermos num lugar seguro, apático de desenvolvimento e deserto de criatividade e estímulo.

Esta Maria vivia presa na sua gaiola, sem Adamastores. Talvez o lugar mais inseguro para se viver.

A Maria manteve-se imóvel e deixou-se empurrar por ventos aleatórios, e com isso estava cada vez mais perto de lugar nenhum, porque qualquer lugar é vazio, senão houver uma intenção.


Que este tempo que temos em mãos, presos na gaiola nos sirva para nos resgatar do mar de calmia e desespero silencioso.





Sem comentários:

Enviar um comentário